O JARDIM DE LISBOA
O OLHAR FELINO, de uma das duas Chitas que se encontra no recinto pequeno |
Há alguns dias atrás fiz mais uma das minhas
visitas ao Jardim Zoológico de Lisboa. Tal como faço assiduamente todos os
anos. Já lá vão pelo menos 36 anos seguidos, depois das visitas que fazia
anualmente com os meus pais. Nos primeiros com os meus irmãos e nosso grupo de amigos,
mais tarde com a minha mulher e os meus filhos e por fim com o meu neto, que
tem sido ultimamente o meu companheiro e “assistente” nestas visitas de
observador conservacionista. Porém, esta foi a minha primeira ida sozinho, com
o intuito único de fazer um levantamento mais atento das espécies e do estado
dos “habitats” e tentar fazer uma reportagem fotográfica mais próxima do
observador de animais selvagens.
Este trabalho não pretende, na sua principal essência,
estabelecer uma comparação detalhada com a minha visita recente ao Zoológico de
Barcelona, que já foi aqui razão de uma crónica. Todavia, há questões que
inevitavelmente, não podem deixar de ser referidas, não por objectivos de
confronto entre o papel vocacional das duas instituições, mas acima tudo pela forma
como podem resultar as acções conservacionistas que hoje são uma prerrogativa
fundamental destes parques zoológicos.
ORANGUTANGOS DE SUMATRA - Uma fêmea com (pelas ilações que tirei durante o tempo de observação) 2 crias; uma mais velha, provavelmente do ano passado, e outra muito pequena, creio que já deste ano. |
CHIMPANZÉ COMUM - a evidência do nosso reflexo |
Sempre fui bastante céptico em relação ao uso
da exposição de animais para gládio dos homens, contudo desde do final do
século passado os jardins e os parques zoológicos passaram a ter uma função
fortemente conservacionista, e onde o respeito e a condição pela vida animal
teriam de selar pelo bem estar das espécies ali alojadas. As antigas jaulas e
prisões vão dando hoje espaço a habitats mais próximos às suas condições
naturais por imposição de uma normativa internacional. Sei que, por muito que
se vá improvisando, a maioria dos casos ficam ainda aquém da realidade. O esforço
nalgumas situações minimizou o impacto, mas os animais não deixam de estar
condicionados num espaço que acaba quer se queira quer não por diminuir a sua
actividade natural como desajusta os seus comportamentos e instintos naturais
independentemente de terem ou não nascido em cativeiro.
É o nosso "DORSO PRATEADO" |
Tenho procurado
acompanhar “ainda que à distancia” a maioria destes lugares pelo mundo fora, e
sei que infelizmente existem casos gritantes para não dizer bárbaros das
condições em que os animais vivem e são tratados. Por outro lado, também é
verdade que existem parques onde o trabalho deve ser elogiado pelo esforço dos
ambientes criados para que os animais não se sintam tão desenraizados da sua
natureza. Por fim, e por mais incongruente que pareça a um defensor da vida
animal, sou obrigado aceitar este estatuto de “animais aprisionados”, devido à
ameaça e ao risco de extinção da maioria das espécies hoje existentes no mundo
natural… sim porque, seja por uma razão ou outra, quase todas elas sofrem uma
ameaça preocupante pelas mais diversas razões que acabam por pôr em causa a
sustentabilidade da sua sobrevivência; tanto pela diminuição dos efectivos como
pela diversidade genética ou pela destruição continua dos seus habitats… tendo
como principal responsável sempre: o Homem. Por estas razões e factores, temos todos a
obrigação de fazer de uma forma consertada a nível mundial o papel de
conservacionistas. Não encontro muitas soluções no mundo de hoje perante o rumo
dos acontecimentos mundiais e atitude do homem em geral, que possa responder de
uma maneira mais assertiva que os jardins e parques zoológicos para preservar e
assegurar a continuidade das espécies ameaçadas ou em risco considerável para a
reprodução em cativeiro ou ex-situ com o fim de uma futura reintrodução nos
seus habitats.
GORILA OCIDENTAL DAS TERRAS BAIXAS - vive hoje apenas (calculo) com 2 fêmeas |
Poucos têm a noção deste facto mas o abate ou
a morte de um único individuo no seu estado selvagem pode pôr em causa uma
comunidade ou uma colónia organizada, muitas vezes já por si limitada pelas
próprias condições condicionadas em que vivem. Poderia dar centenas de exemplos…
Bom, foi um preliminar um pouco longo, mas
penso que era importante para situar este meu trabalho.
SIAMANGO |
MACACO ARANHA juvenil |
Voltando ao Zoo de Lisboa; é verdade que os
meios não são suficientes, os apoios oficiais quase inexistentes e o mecenato
apesar de bem intencionado não chega para cobrir o desenvolvimento, mesmo assim
há falhas ambientais que não envolveriam grandes empreendimentos que poderiam
ser resolvidas dado que não tiveram evolução na última década. Se o habitat dos
grandes primatas (Orangotangos de Sumatra, Gorilas ocidentais das terras baixas
e os Chimpanzés comuns) têm hoje um espaço ambiental aceitável, os restantes
primatas de menor porte (exemplo: Babuino-Hamádria, Macaco do Japão e grande parte dos Cercopitecos)
estão muito aquém dessa necessidade, continuando confinados ao gradeamento e
cimento disfarçado de alguns troncos de árvore. Depois, existem alguns espaços
um pouco mais adaptados como os do Siamango, Gibões de mãos brancas ou Macaco-aranha…
para finalmente encontrar algo quase perfeito que só peca pela dimensão do
espaço, não só em altura como comprimento, como os que estão reservados aos Saguins,
Micos, Langures e outras espécies de pequeninos macacos.
ELEFANTES AFRICANOS |
Quanto ao gigantes do mundo animal, pouco foi
feito. Os Elefantes africanos, os Rinocerontes indianos e brancos (4
exemplares) ou os Hipopótamos africanos apesar de terem visto o seu espaço
aumentar não foram criadas minimamente condições que lembrem melhor as savanas
e os grandes rios… acabando por deambular em zonas áridas de qualquer
identificação desses lugares. Já nem falo do espaço confinado em que vivem 3
exemplares do Hipopótamo-pigmeu.
Um olhar com memória - Jovem Elefante Africano |
HIPOPOTAMOS PIGMEU |
No caso de ambas as espécies de hipopótamos tenho
que referir o excelente trabalho do Zoológico de Barcelona, sem ser perfeito e
sendo muito recente o resultado poderá ser uma referência internacional.
CHITAS - 5 Crias já quase adultas |
Uma LEOA, de um grupo de 7 leões Africanos, com 3 crias |
Jovem cria de TIGRE BRANCO |
Naquilo que diz respeito aos felinos, houve
algumas preocupações com certas áreas apesar da forte limitação das respectivas
dimensões. Nesta vertente só os maiores foram beneficiados, no caso dos
Leões-africanos, Tigre da Sibéria, o solitário Tigre de Sumatra, ou dos
Tigres-brancos e onde podemos considerar mesmo a família de chitas (há um aparente casal de Chitas num
espaço fechado um pouco mais acima que fiquei sem saber a razão porque se
encontram ali). Os restantes felinos, mesmo com os elementos ambientais usados
estão em cercados diminutos para este tipo de espécies… talvez se
possa considerar uma excepção o habitat do casal de Linces-euroasiáticos. Não nos
podemos esquecer que se tratam a grande maioria deles de espécies vulneráveis e
mesmo em risco de extinção.
Outras disparidades que continuo a encontrar
na adaptação das espécies, é o que se passa com os ruminantes, aqui falamos de alguns
artiodáctilos e de perissodáctilos, ungulados na maioria dos casos.
Não vou pormenorizar cada espécie com terminologia biológica, mas referirei em
termos genéricos e comuns alguns exemplos...
BONGO, de um grupo de 7 exemplares |
O razoável grupo de Zebras de Grevy
desapareceu, restam duas, pelo menos à vista. Os grupos são hoje inferiores na
generalidades das espécies, veja-se o caso do Bisonte-americano, a pacaça, o Búfalo-cafre,
os Órixes (da Arábia, e Austral, dado que já não encontrei o bando de
Órix-de-Cimitarra). As Gazelas-de-face-negra também não as vi (que já fizeram
parte de um crucial programa de reprodução em cativeiro e intercâmbio entre
outros parques zoológicos), tal com o maior dos ungulados: o Elande (falha
minha ou não, não sei!). O Nilgai, penso que já desapareceu do Zoo há mais
tempo. Um pequeno grupo de Nialas (4 exemplares) num reduzido cercado pouco preparado.
Contudo, algumas espécies foram mais cuidadas… o caso do antílope Addax, com um
razoável efectivo de indivíduos num local dos mais privilegiados do Zoo (o
panfleto dado na entrada refere a introdução de um casal originário do nosso
zoo no seu habitat natural, visto ser uma espécie que se encontrava extinta na
natureza)… só que mesmo aqui podendo ser um facto dada a condição de risco em
que se encontra, não tem a gravidade ainda existente de uma espécie como o
Órix-de-Cimitarra abrangido por um programa de preservação em larga escala
fomentado pela WAZA (World Association of Zoos and Aquariums). As outras
referências positivas são ainda: a Girafa de Angola, a Palanca-negra, a
Palanca-ruana, ou as Sitatungas (apesar de não terem tabuleta de identificação). O Bongo, com 7 exemplares e sendo um antílope de porte razoável, merecia
um local com outras condições. Se há necessidade de uma melhor organização dos espaços existentes, então porque não adoptar o exemplo usado com o Cheetal ou Áxis comungando do mesmo local que os Veados da Birmânia. Era um exemplo que poderia servir para juntar espécies que funcionassem sem prejuízo da sua condição em recintos comuns. Quanto ao Okapi, sendo um animal tão magnifico, tão único, poderia ter um espaço que nos permitisse observá-lo mais regularmente... é uma espécie muito reservada e tímida, por isso o local deveria ir ao encontro da sua condição; sabemos que em termos alimentares não é selectivo, o que a vegetação pode ser um problema, mas o arvoredo mais robusto poderia ajudar a criar uma maior protecção ao seu comportamento.
Um bando considerável - ADDAX |
No espaço Madagáscar, as espécies de lémures
existentes não chega a meia dúzia, porém são um dos locais de referência do
jardim visto estar integrado em projectos e iniciativas de promoção difundidas junto
dos mais novos pelo Zoológico. Não creio que sejam espaços exemplares,
principalmente tendo em conta o objectivo de conservação e preservação de
espécies todas elas ameaçadas na natureza.
SURICATA, vigilante e emitindo guinchos de aviso |
A eleição do que é um recinto perfeito e bem conseguido no Zoo de Lisboa vai obrigatoriamente, para os Suricatas, levando esta espécie a um comportamento em sintonia perfeita com aquela que teria no seu habitat natural. Assisti a todo o tipo de movimentações e reacções típicas de uma comunidade bem adaptada, desde os vigias até às crias.
Há outra referência que não posso deixar de
fazer, e constatar negativamente o seu fracasso. Tudo o que diz respeito a
aves, é uma desilusão. São muito, mas muito poucos os casos em que, enfim, até
posso aceitar minimamente o espaço e as condições. A maioria deles são gaiolas muito
mal disfarçadas. As várias espécies de aves de rapina ou necrófagas
desapareceram, o que é preocupante se considerarmos os casos dos ameaçados
Abutre-negro, o Abutre-do-Egipto, Grifos ou outros habitantes permanentes e
ocasionais em Portugal. Um Casuar isolado num espaço escandaloso, Nandus e Emas
em cercados pouco trabalhados… para não falar do casal de Grous do Japão que
mesmo com um espaço considerável foram cirurgicamente impedidos de voar, caso
para dizer se não podem ter em condições normais da espécie, é preferível não
possuir estes exemplares. Considero esta classe aquela que mais ignorada
continua ser após mais de 3 décadas.
O solitário CASUAR |
Quanto ao reptário, não gosto. Não concordo
com esta exposição, mais pelo número elevado de espécies de répteis em cubículos
sem condições razoáveis para nos familiarizarmos com estes animais. Penso que seria
muito mais eficiente e didático um menor número de espécies com adaptações mais próximas
dos habitats que habitam.
O jardim fala em mais de 300 espécies com
cerca de 2000 animais, creio contudo, que seria muito mais pedagógico, e com
resultados eventualmente mais próximos dos fins de conservação e preservação
nos programas em que estão evolvidos, se o número de espécies fosse menor e as adaptações
dos espaços fossem dessa forma ao encontro das condições de reprodução e da
diversidade genética. Eu entendo, que do ponto de vista do visitante é mais
interessante ver grande diversificação… só que não funciona em termos
objectivos para o grande fim a que se devem destinar hoje estas instituições.
Senão fica a ideia fundamental mais da exploração comercial do que da protecção
da vida selvagem.
Há outra sugestão que me parece relevante
deixar. Apesar de existir divulgação muito boa sobre os animais do ponto de
vista cientifico e informativo. Deveria ser criado um local (gabinete de
informação ao público), sobre questões relacionadas com os animais existentes e
o papel de zoológico nessa intervenção; em relação ao passado, ao presente como
sobre o futuro. Explicações que clarificassem os visitantes sobre o porquê de
diversas questões que se levantam mesmo aos menos informados. Não seria preciso
muito para criar essa interação gradual entre visitantes e responsáveis. Outro
alerta, tem a ver com o espaço considerável que se encontra fechado ao publico
e reservado muitas vezes para o pessoal do staff, penso que deveria ser feito
urgentemente algo para aproveitar essa zona desclassificada, que por vezes
parece ser mais um depósito de algumas espécies sem local apropriado e isto
porque já lá vi Camelos, Dromedários e outros ungulados… sei igualmente que já
foi uma zona para canídeos como Lobos ou raposas (ex: Feneco), hoje uma lacuna grave na
defesa deste tipo de carnívoros. Porém, neste momento nada se sabe e também
não há informação sobre esta questão.
TIGRE DA SIBÉRIA, o macho do casal existente |
Não foi há muito que inqueri a página do
Jardim Zoológico de Lisboa nas redes sociais sobre situações do passado como
outras não tão remotas, e a resposta foi de um desconhecimento total. É um
lugar com uma história secular, razão suficiente para se fazer um trabalho mais
sustentado e profissional. O papel não pode ser unicamente arranjar meios
financeiros para o manter ou integrar de qualquer maneira os programas de
preservação, é preciso dinamizar os projetos com criatividade, saber e acima
de tudo ter visão futura das finalidades que ocupam. Com isto, atenção, não digo
que não haja empenho e carinho na dedicação aos animais que ali se encontram. Mas
pode-se fazer sempre melhor, e os animais merecem por todas as razões e mais
alguma… e este melhor não é assim tão difícil ou impossível.
URSO PARDO, um macho receoso, de um outro macho dominante |
HIPOPOTAMOS COMUNS |
BISONTE AMERICANO, com 6 exemplares no Zoo |
Uma nota final que me apraz ter encontrado
junto à entrada: Um placar com o número e os nascimentos das espécies ocorridos
no ano 2013. Importante para saber se entre eles estão exemplares de espécies
protegidas, vulneráveis e em risco de extinção.
PALANCAS NEGRAS apesar de não ter reparado creio que seja uma subespécie |
Como constatação, e tenho que o dizer
claramente… que este Jardim Zoológico está substancialmente, melhor conseguido
que o de Barcelona.
Como indicação, gostaria de ver uma interacção
mais evidente e visível entre todos os parques zoológicos existentes em
Portugal, que já são alguns.
Pois com esta atitude, a razão e o sentido da
legalização e alvarás para a existência destes locais tornavam mais objectivos
os programas assumidos por estas instituições.
Apesar de tudo, penso que é importante a existência
do Jardim Zoológico de Lisboa. Primeiro porque pode educar, ajuda na
preservação, e numa perspectiva geral até está próximo do que pode ser um local
ideal para fins a que se deve destinar integrado que já está num cuidado espaço
paisagístico bem elaborado. Tem como tudo, coisas que funcionam bem e muitas outras
ainda por resolver. O estado português deveria ter um papel mais interventivo como
acontece em muitas outras cidades e países. Com tanto dinheiro mal gasto…
usurpado, diariamente, poderia mostrar mais se realmente a defesa ecológica e a
sustentabilidade do planeta são ainda linhas programáticas da nação.
Um dos ícones do reino animal, um dos 4 KOALAS que habitam no Jardim Zoológico de Lisboa |
Sem comentários:
Enviar um comentário