O
TAPANULI
Cada
vez que uma nova espécie é descoberta, a natureza mostra-nos dessa forma o
quanto de extraordinário tem para dar e lembrar-nos que este nosso mundo,
apesar da contínua destruição por parte dos homens, é ainda imenso nas suas expressões
de vidas alternativas.
Sempre
me fascinaram as descobertas de novas espécies ou mesmo de espécies que já se
julgavam extintas, como também sempre foi profunda a tristeza cada vez que sei
de uma espécie que desaparece, ou mesmo quando o seu estatuto fica de tal
maneira ameaçado que a sua sobrevivência acaba criticamente em perigo de
extinção.
Os
Tapanulis são um dos mais recentes casos e talvez o exemplo mais perturbador
daquilo que acabei de escrever antes. Confirmados enquanto nova espécie há poucos
meses atrás, constatou-se igualmente, que a sua população na globalidade já se
encontra em perigo e seriamente ameaçada.
O
que são Tapanulis? Estamos agora perante a oitava espécie de grandes primatas,
mais correctamente, de símios. Aqueles partilham um genoma mais próximo ao ser-humano.
Eram até à data sete as espécies conhecidas (como já referi em outro espaço
deste site): O Gorila-do-Oriente, o Gorila-do-Ocidente, o Chimpanzé-comum, o
Bonobo, o Orangotango-de-Sumatra, o Orangotango-do-Bornéu e o… Homem. A estes, junta-se a partir de 2017, uma nova
espécie, designada: Orangotango-de-Tapanuli.
Esta
descoberta não é totalmente original, mas sim e acima de tudo, surpreendente. A
existência ou a suspeita de existência destes animais no seu habitat natural
era já comentada desde 1935, incluindo num estudo em 1939. Mas só há vinte anos,
mais precisamente, desde 1997, que se teve conhecimento desta população na
remota região de Batanga Toru, em Tapanuli Selatan, província de Sumatra, na
Indonésia. Porém, os dados começam a surgir, após avistamentos em 2003, e a um
estudo que se segue sobre estas populações isoladas a sul. Todavia, só em 2013,
a curiosidade científica e as suspeitas por arrasto se levantaram; aquando o
antropologista evolutivo, o professor Michael Krützen, trouxe do extremo norte
de Sumatra para a universidade de Zurique (onde exerce o seu papel de
investigador), um crânio com algumas particularidades. Seguiram-se todos estes últimos
anos de análise genéticas e estudos filogénicos, para além de comparações
morfológicas com dezenas de outros orangotangos de Sumatra, para determinar a
origem real daquele crânio (que se sabia pertencer a um macho adulto morto por habitantes
locais de uma povoação daquela região). Finalmente, foi reconhecido, como uma espécie
diferente das duas únicas conhecidas a 2 de Novembro de 2017; ainda que continue,
o que é típico nestas situações, a ser contestada a sua autenticidade em termos
da sua taxonomia, por alguns investigadores, tanto de universidades inglesas
como americanas.
A
questão que leva à identificação de uma nova espécie (ou mesmo subespécie)
continua a ser bastante subjectiva, se a evidência genética não for
significativa. Porém, há dados que devem ser tomados como referência
determinante para olhar estes exemplares ou espécimes, como uma preocupação
fundamental de acompanhamento e conservação (claro que, os estudos devem sempre
continuar). No caso dos Tapanulis, existem elementos suficientes para esta
diferenciação; um crânio menor e outras comparações osteológicas, formato da
dentição, uma pelagem cor de canela pouco homogénea e encaracolada, as fêmeas
usam barbas (que não é comum nas outras espécies), os machos têm bigodes mais
volumosos e abas laterais faciais com um pêlo macio, uma etologia específica (os
machos usam uma vocalização longa e sonoramente evolutiva nos períodos de corte
e acasalamento, quem sabe se até como definição territorial), alimentação
diverge das restantes populações de Sumatra (para além de frutos, cascas, folhas
ou rebentos de 5/6 árvores desconhecidas na dieta destes animais… quase 30% dos
seus nutrientes alimentares, alimenta-se de parte das pinhas de pinheiros coníferos
e de lagartas… o que nunca fora registado nas outras espécies), ainda a tipificação
dos ninhos (com um menor numero de ninhos habituais nos orangotangos) ou os pêlos
faciais e a forma das barbichas características do género. Também, a
localização isolada destes orangotangos, pode ter ajudado na definição da
espécie; ao que parece os estudos genéticos comparativos com os orangotangos-de-Sumatra,
indicam que esta divergência deverá ter ocorrido há mais de 3 milhões de anos,
acentuando-se ainda mais há aproximadamente 75 mil anos com as alterações
geográficas da ilha que os deixou ainda mais isolados, acreditando-se inclusive
que, qualquer espécie de contacto entre as populações tenha deixado de existir
nos últimos 10 a 20 mil anos. Quer se queira entender ou não, mas os factores
genéticos com o isolamento de outros grupos de genes, leva à forte
probabilidade, dos primeiros evoluírem para padrões cada vez mais
diferenciados. Para além disso, existe um outro factor considerável; a sua
localização geográfica aproxima-os mais das fronteiras geológicas-históricas da
migração dos primeiros orangotangos vindos da Ásia continental ou do sudeste asiático
(talvez, Malásia), depois da glaciação. Levando a crer que, tenham divergido
dos conhecidos Orangotangos-de-Sumatra muito antes, destes últimos, terem se
separado da segunda espécie conhecida, os orangotangos-do-Bornéu.
Os
Tapanulis, habitam as florestas húmidas tropicais e subtropicais a sul do
conhecido Lago Toba, na zona setentrional da ilha, um local outrora de grande
intensidade vulcânica que originou esta área hidráulica com uma extensão de 100
km, curiosamente a mesma distancia que os separa das outras populações de
orangotangos de Sumatra que habitam a norte do mesmo lago. De tipologia
primária (densa e interior), mais elevada e precipitação superior, estas três
concentrações de florestas numa área de 1500 km2, onde cerca de 1.022 quilómetros
quadrados, são o seu único habitat e variam entre os 300 metros e os 1.300 de
altitude; albergando toda a população de Orangotangos-de-Tapanuli, e que se
calcula que não excedam os 800 indivíduos; ou seja, é a menos numerosa de todas
as espécies de grandes primatas. Cerca de 8% numa área florestal ao abrigo da
conservação, 78% da população numa zona circunscrita e protegida e 14% numa
área sem qualquer vigilância ou controlada.
Esta é uma condição de risco bastante elevada
para a espécie; pois um território limitado, condiciona qualquer população de
animais. Não só, porque não permite com facilidade o natural desenvolvimento de
novos grupos, como potencializa as ameaças: seja pela caça furtiva, pela
captura para fins privados ou comerciais, o tráfico ilegal de animais, o
desbravamento da floresta por pequeno que possa ser terá sempre um forte
impacto negativo na sustentabilidade das populações como no seu crescimento. A
incursão da expansão humana no interior destes habitats com estradas ou terrenos
agrícolas dispersos, são ameaças sérias, acima de tudo porque provocam
inevitáveis conflitos e confrontos entre o homem e o animal… como afectam os
corredores naturais das populações selvagens, a definição de territórios, e
promovem a diminuição da diversidade genética aumentando as probabilidades por
um decréscimo endogâmico na consanguinidade entre os indivíduos (o estudo de
2017, já revelava a codificação destes alelos elementares no genoma de dois exemplares
observados). Todas estas circunstâncias são já por si condições críticas na
preservação de qualquer espécie, mas esta situação irá ser ainda mais agravada,
neste caso, porque está em marcha um projecto que prevê a construção de uma hidroeléctrica
no local e que cortará as ligações entre a zona oeste e leste das populações
ali existentes, o que a ter continuidade ditará (se nada for feito) a extinção
do Orangotango-de-Tapanuli (tal como da restante biodiversidade) em poucas
dezenas de anos. Para se ter uma ideia, da afectação que a perturbação nos
habitats pode provocar, o estudo de 2003, dava conta de vários ninhos dispersos
mais a sul, na área de Lumut; recentemente uma investigação na mesma área não
revelou o indicio de nenhum.
Tenho
sérias duvidas que mesmo com o Programa de Conservação do Orangotango de
Sumatra e um novo para a conservação desta nova espécie, sejam suficientes para
evitar o pior dos males. Só a intervenção das instituições oficiais e
internacionais poderão exercer a pressão necessária para salvar esta nova
espécie de grandes primatas. Não nos podemos esquecer, que esta é a primeira
descoberta de um símio (da família Hominídeos de que fazemos parte) nos últimos
80 anos (desde o reconhecimento do Bonobo ou Chimpanzé-pigmeu). Estamos a falar
de uma espécie com um genoma 97% idêntico ao nosso. É difícil calcular o quanto
trágico e dramático poderia ser o desaparecimento de qualquer das espécies que
constroem o puzzle da família animal a que pertencemos, isto até para
entendermos ainda melhor a evolução das espécies e a nossa própria história
antropológica.
Classificação
Científica: Pongo tapanuliensis
Nurcahyo, Meijaard,
Nowak, Fredriksson & Groves, 2017
Domínio: Eukaryota
Reino: Animalia
Filo: Chordata
Classe: Mamíferos
Ordem: Primatas
Subordem: Haplorrhini
Infraordem: Simiiformes
Superfamília: Hominoidea
Família: Hominidae
Subfamília: Ponginae
Género: Pongo
Espécie: Pongo tapanuliensis
Estatuto de Conservação / IUCN: CR –
Em Perigo Critico
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