ETERNAMENTE,
LOBO-IBÉRICO!
Forever, Iberian Wolf!
Um ser espantoso
que continua como uma maldição…
Como já tive oportunidade de comentar em outros artigos, todos os animais
são fascinantes para mim. Porém, aquilo que sinto por Lobos e Linces, foi
sempre especial. Mais que um fascínio, é uma admiração profunda pela
determinação em subsistir num mundo que parece não querer reservar-lhes o seu
lugar por direito.
Tenho escrito tanto sobre Lobos como sobre Linces, quase ciclicamente. Hoje
volto ao lobo, e àquela subespécie que mais próxima de mim está… O
Lobo-Ibérico! O único canídeo selvagem que habita em Portugal, endémico da
Península Ibérica.
O Lobo-Ibérico (Canis lupus signatus)
é uma subespécie do lobo cinzento, uma das de menor porte entre as outras. Com
características morfológicas que o definem claramente como uma subespécie,
dúvida que permaneceu durante algum tempo. Este animal foi descrito, em termos
de identificação, pela primeira vez, por um cientista zoólogo espanhol chamado
Angel Cabrera, em 1907. A sua taxonomia diferenciada esteve em causa até há
poucos anos atrás, cerca de 20 anos atrás, só o trabalho genético com base na
interpretação de marcadores moleculares que envolvem a determinação do DNA,
pelo biólogo Robert Wayne, da Universidade da Califórnia (UCLA) se provou tratar
de uma subespécie demarcada.
Esta espécie de Lobo, como já
referi, é considerada uma espécie autóctone e residente na Península Ibérica. A
população que habita o território nacional distribui-se por uma área que ronda
os 20.000 km2, mas com maior regularidade em cerca de 16 mil km2. Abrangendo a
região do Norte e do Centro do país. A sua definição geográfica está
caracterizada por duas subpopulações distintas. Uma a norte do rio Douro
interligada num corredor geográfico contínuo com a população na vizinha Espanha,
com mais de 90% da representação nacional de lobos. A outra muito mais
diminuta, a sul do Douro, e talvez isolada da restante, até porque as poucas
alcateias encontram-se bastante fragmentadas e dispersas na região centro de
Portugal, com os outros menos de 10%. Outrora, esta espécie encontrava-se
distribuída pela quase totalidade do território português. Hoje, calcula-se que
não deva ocupar 20% do habitat original. Ao contrário, no país vizinho, as
populações para além de terem estabilizado nos últimos anos, parecem estar a
recuperar em algumas regiões espanholas. Os registos davam conta, no mínimo de 1.500/2.000
nos últimos censos espanhóis de 1990, já com quase 25 anos, mas é possível que
existam 2.500 indivíduos estimados. Valores muito diferentes dos registados em
Portugal, que não deverão exceder muito mais que 300, ou na melhor das
possibilidades perto dos 400 exemplares, se contarmos com o período de
reprodução. O último estudo indicava cerca 63 alcateias, localizando-se 42 a 54
alcateias para a população a norte do Douro, enquanto não chegam a uma dezena
na subpopulação no Centro do país. Provavelmente, pouco mais de 30 lobos abaixo
do rio Douro.
A grande falha, que diria mesmo uma inaceitável lacuna, na noção mais
precisa do estado de conservação desta espécie em perigo, em risco de extinção
no nosso país; é ausência de um censo nacional desde 2002/2003, confirmado em
2005. Estamos a falar de mais de uma década. Em que os factores que interferem
na preservação e conservação da vida animal foram consideravelmente
influenciados. Se negativa ou positivamente, é difícil de prever. O pouco
interesse ecológico das autoridades, o crescimento exponencial das estruturas
urbanas, uma agricultura sem grandes enquadramentos protectores da vida
silvestre, para além da animosidade e conflitualidade humana com os lobos…
Todas estas causas podem ter afectado as populações nacionais. É urgente e
necessário, mesmo imperativo, que se faça este trabalho o quanto antes. Já
vimos no nosso e em outros países, com outras espécies animais, e recentemente,
qual foi o resultado da falta de censos populacionais de espécies em perigo. A
extinção!
Por factos como estes, a subespécie Lobo-Ibérico, está classificada a nível
nacional, como: Em Perigo. Enquanto que vista pelo IUCN, esta espécie ibérica é
considerada: Pouco Preocupante (LC), de baixo risco apenas com recomendação de
planos de conservação. É nossa população que está mais ameaçada. Os
Decretos-Lei publicados que ditam esta protecção legal em Portugal, que
resultam da transposição de directivas e convenções internacionais,
estabeleceram ainda por cima que o Lobo-Ibérico fosse considerado: espécie
prioritária. Por isso não bastam só programas de conservação, é preciso fazer
um trabalho semelhante ao que foi encetado para evitar a extinção do
Lince-Ibérico, envolvendo as organizações de protecção da vida selvagem, como as
autoridades e responsáveis políticos ibéricos.
Apesar de estar totalmente “protegido” desde 1989 pelo Decreto-Lei 90/89… É
preciso não esquecer, que em Portugal, este animal, nos anos 30 do século
passado foi vitima de uma tentativa de erradicação, com o abate indiscriminado
de todo e qualquer exemplar que se cruzasse com o homem ou as suas terras, um
facto que se arrastou até meados do anos 90. Se por um lado, percebo que há
época as condições humanas fossem muito difíceis, já não posso aceitar que em
finais do século XX, com as medidas compensatórias de todos aqueles que
pudessem ser prejudicados pela morte dos seus animais pecuários e com uma maior
consciência da importância da biodiversidade e do equilíbrio dos ecossistemas…
Se continue a ver neste animal uma maldição ameaçadora da subsistência humana. Para
se ter uma noção da antiguidade deste ódio quase visceral, o jornal “O Século”
em 1904, referia-se à elogiada e excitante batida ao lobo como um meio “… da
extinção destes bichos daninhos”. O Lobo-Ibérico encontra-se em declínio desde
a primeira década do século XX. O homem é responsável por 40 a 50% da
mortalidade desta espécie. Enquanto que os proprietários lesados por ataques de
lobos não chegam a 10%, isto representa cerca de 1% da comunidade rural. Estes
crimes são feitos na ordem dos 20% na caça furtiva a tiro, 13% com armadilhas
de laço e cerca de 7% por envenenamento; perante este cenário, pudemos ver até
onde vai a crueldade humana, porque todas elas são mortes cruéis e de muito
sofrimento. Nas afamadas batidas ao lobo, os humanos chegaram ao ponto que
conceber nas serras uma arquitectura em pedra com corredores de morte, em que o
animal entrava atraído por um isco vivo num fosso circular onde ficava preso e
era abatido; eram chamados de fojos. As partes do animal eram usadas na
medicina tradicional ou então como amuletos. Mas, se os ataques de lobos ainda
acontecem, também deve-se em parte ao défice de populações activas das suas
principais presas e à constante diminuição do seus territórios de caça. Há
registo recentes, nos últimos três anos, de lobos seguidos com colar GPS,
abatidos em pleno Parque Nacional da Peneda-Gerês; um deles uma fêmea alfa com
crias nascidas há menos de seis meses. Se associarmos os atropelamentos, as
doenças em canídeos, os esporádicos cruzamento de cães vadios/assilvestrados (que
competem igualmente pela alimentação, podendo mesmo atacar animais de quinta) e
as taxas de insucesso na natalidade ou a mortalidade de crias ainda juvenis… Há
todas as razões para que o futuro desta subespécie de lobo esteja altamente
condenada.
Também seria útil um bom trabalho concertado, devidamente promovido, para
modificar a mentalidade instigada em crenças… originárias em parte graças à
nefasta imagem da igreja católica sobre um Lobo maligno e satânico; depois,
naturalmente, acrescidas das histórias da cultura popular rural sobre um animal
sobrenatural e toda uma mitologia a si associada. Esta sensibilização hoje,
através do ecoturismo e de uma participação ecológica, daria a excelente oportunidade
de observar entre outras espécies endémicas, um dos mais extraordinários seres
que povoam o reino animal.
É fundamental, que se façam estudos integrados de todos os factores que
estejam a influenciar esta conflitualidade e se encontre o melhor equilíbrio de
duas espécies que mal ou bem sempre coabitaram Portugal… O Homem e o Lobo. Pelo
menos trabalhar seriamente, no repovoamento das suas presas naturais como o
corço, o veado e o javali em zonas mais remotas; mas isto obriga também a
repensar as questões erradas que torneiam os interesses cinegéticos e dos
lobbies da caça. Igualmente importante, e muito menos complexo, seria a
elaboração de um plano na concepção de refúgios o mais apropriados possíveis em
áreas de menor densidade urbana. Até porque seria um investimento no controlo
de despesas do estado, dado que a indeminização de prejuízos causados pelo lobo
aos respectivos proprietários está acima dos 700€, isto tendo em conta que os
registos estão fixados numa média de 2500 ataques referenciados por esta
espécie. Portugal tem o valor mais elevado de compensações por este tipo de
danos.
O lobo é considerado em termos etológicos, um animal generalista.
Adjectivação vem acima de tudo, porque é altamente adaptável nas questões
ambientais. A escolha dos seus territórios, e a integração em diversos
habitats, seja eles de maior ou menor elevação geográfica, tem a ver com a
prospecção que faz das presas disponíveis e do melhor isolamento possível.
Sendo um animal com grande sentido gregário, procurando sempre construir
alcateias sustentáveis, que variam de 6, 8 a 15 indivíduos, os seus territórios
são bem demarcados entre os chamados “packs” (grupo ou alcateia). Como
carnívoro de grande porte pode percorrer 20 a uns 45 km por dia em busca de
presas, num território que em Portugal corresponde a cerca de 80 a 300 km2 por
alcateia, uma extensão curta para esta espécie tendo em conta ainda a
influência urbana que o rodeia.
Este predador habita diversos biomas, adaptando-se a variedade de meios
ambientais, desde que encontre um equilíbrio entre alimentação disponível e
condições territoriais típicas de uma alcateia. As florestas, as serras,
planícies, bosques, matas, florestas densas servem na perfeição de habitat ao
lobo. Desde que, estes locais lhes permitam escavar tocas ou aproveitar buracos
anteriormente usados por outros animais. Encontrar refúgios integrados em zonas
mais adaptadas ao seu meio ambiental.
Condicionados em termos territoriais, em regiões que acabam por fragmentar
o seu habitat e escassear as suas presas habituais; a sua alimentação
inevitavelmente é forçada a ir além do veado, do gamo/corço ou do javali. Esta
dieta infelizmente, completa-se com animais pecuários: ovelhas, cabras,
galinhas, cavalos ou vacas. Incluindo, cães de guarda e de companhia, se outra
presa for difícil. Contudo, também gosta de erva fresca e de frutos silvestres.
Os núcleos populacionais são conhecidos. A sua densidade demográfica nesses
efectivos estão estudadas. Tal como os riscos que afectam cada uma delas. Por
isso depende somente da vontade e do esforço das entidades competentes em disponibilizar
as condições para se estudar as áreas de distribuição como: Parque Nacional da Peneda-Gerês;
Alvão/Falperra; Padrela/Valpaços; Arga/Paredes de Coura; Cabreira/Barroso;
Marão/Baião e Bragança/Montesinho, depois mais a sul: Arada/Trancoso; Figueira
de Castelo Rodrigo/Sabugal. Revendo locais onde a sua referência se extinguiu,
como: entre Viana do Castelo e o Porto. Lugares como: as Serras da Coroa,
Montesinho, Nogueira, Larouco, Cabreira, Maroiço, Agra, Santa Luzia, Freita,
Arada, Montemuro, Leomil e Lapa. O Parque Natural do Alvão, o Parque Natural da
Serra da Estrela. Seguir trilhos identificados como a zona fronteiriça da
Galiza até Castela-León, como a envolvente transfronteiriça do Gerês a Xures.
Locais assinalados entre os planaltos de Miranda do Douro e Mogadouro até ao vale
do rio Sabor. A região de Bragança, Fafe, de Vila Real a Vila Pouca de Aguia.
Até a reavaliação do núcleo extinto no Parque Natural da Serra da Malcata. Apesar
desta dimensão geográfica poder ser um problema devido aos recursos, creio que
a junção de interesses e vontades por parte das entidades governamentais, das
faculdades até agora envolvidas e das instituições de conservação de vida
selvagem ligadas a estes objectivos, poderiam dar um contributo inexcedível
para que uma cooperante parceria com os nosso vizinhos espanhóis pudesse
resultar num trabalho de repercussões mundiais.
Que tipo de lobo é este? Quais as suas características morfológicas? Como o
diferenciar das outras subespécies? O Lobo-Ibérico faz parte de uma espécie
considerada o maior carnívoro europeu a seguir ao urso-pardo, e o maior canídeo
selvagem da actualidade. É um dos animais dotados de maior inteligência no
reino animal. De compleição musculada, esguio, membros altos, torna-se extremamente
rápido e resistente; podendo alcançar em corrida velocidades perto dos 70km/h.
No chamado trote ou em progressão atingem cerca de 8km/h, o que lhes leva a
percorrer grandes distancias do seu território. O “nosso lobo” pode pesar entre
os 30 e 40 e poucos kilos no macho, e os 25/35 kg na maioria das fêmeas. Um dos
mais evidentes dimorfismos sexuais entre o macho e a fêmea, para além do porte
físico, está no crânio; a cabeça do macho é significativamente maior do que da
fêmea. Os músculos mandibulares são muito poderosos, com uma força de pressão
de esmagamento incrível que pode chegar aos 106kg por cm2 (comparativamente, um
pastor alemão usa 50 a 53kg/cm2). As orelhas são triangulares, rijas, curtas, e
não chegam a ser pontiagudas. Aos olhos atribuiu-se a cor de topázio, que vai
do amarelo-claro ao amarelo-avermelhado, passando pelo esverdeado e cinza. Tal
como outros canídeos, o lobo tem um olfacto apuradíssimo; cheirando um presa a
mais de 2km de distância. O seu tamanho varia, mas estabeleceu-se um valor
comum nesta identificação, de: 140cm de comprimento (um ou outro exemplar pode
chegar perto dos 180cm), com 70 a 80cm na altura até ao garrote. A coloração
lupina ibérica não é assim tão diferente de outras subespécies similares: o cinzento,
tal como o castanho e os tons castanhos amarelados são característicos, porém,
alguns indivíduos podem apresentar pelagens mais avermelhadas, mesmo mescladas
de tons castanhos ou cinzentos intensamente escuros. O castanho, bege e o ocre são
predominantes nos membros. Os cachorros juvenis demarcam-se numa pelagem mais
homogénea, por tons mais claros, perto dos tons cinza ou castanhos menos
intensos. Contudo, a grande diferenciação desta subespécie reflecte-se numa
particularidade: as manchas características; ressaltando as manchas faciais
brancas laterais ao focinho que se estendem até à garganta, por outro lado,
possuem faixas pretas transversais no dorso e com contorno ao longo da cauda
concentrando o preto na extremidade desta, exibindo uma faixa idêntica mais
estreita e vertical nas patas dianteiras. Claro que nem todos os exemplares as
apresentam ou pelo menos da mesma forma exacta, mas este é tido como o padrão
típico. Talvez fosse por isso, que o seu nome binomial ou cientifico lhe
ficasse atribuído: signatus; que
significa: marcado, assinalado, selado. O pelo é denso tendendo a ser mais escuro
no inverno, e raso de cor mais clara no verão, todavia esta é uma
característica regular entre a maioria dos lobos.
A maturidade sexual das fêmeas dá-se plenamente por volta dos 4, 5 anos,
mas a sua sexualidade é precoce; é comum a primeira ninhada acontecer aos dois
anos, raramente reproduz-se com pouco mais de um ano. Em situações favoráveis
de caça e ambientais, as ninhadas podem variar de 5 a 8 crias. A regularidade
fica-se entre os 3 e os 5/6 cachorrinhos, infelizmente só alguns chegam à idade
adulta. O tempo de gestação é curto; cerca de 2 meses ou pouco mais. Procriando
normalmente uma vez por ano, caso as condições referidas sejam suficientes para
que o seu sistema biológico o indique. Os partos ocorrem em geral de Abril a
Maio e decorrem até Junho. Os cachorrinhos ou lobachos nascem de olhos
fechados, e só ao fim de duas semanas é que abrem os olhos, mas só começam a
ver em condições depois de algumas semanas. Dependentes e toscos nos movimentos
não se afastam das tocas nem da sua progenitora. São brincalhões, irrequietos,
e rapidamente tentam impor posições dominantes, procurando entre eles aquele
que melhor reúne capacidades de liderança. As manifestações típicas da espécie
começam bem cedo. Toda a alcateia é responsável pelas crias recém nascidas,
mesmo enquanto juvenis ainda sem maturidade para acompanhar os adultos nas
progressões de caça. Quando atingem os seis meses estes subadultos estão já
perto do tamanho dos progenitores, passando acompanhar o grupo nas suas
deambulações. Em adultos, é possível que permaneçam no grupo de origem entre os
2 aos 5 anos; contudo, é natural que os machos juntamente com as suas irmãs
tendam a procurar o seu próprio território depois dos dois anos, durante as
estações do Outono até ao início da Primavera.
Definir o número médio de uma alcateia, não é fácil nem linear. Porém, em
geral, uma alcateia do Lobo-Ibérico, pode basear-se numa tipologia de grupo: a
alcateia depende do seu par alfa e reprodutor, depois a existência de jovens/subadultos
varia consoante o sucesso da reprodução anterior; 1 a 3 ou 4 indivíduos, e por
fim as crias desse ano; 3, 4, com sorte, 6 ou 7. Alcateias com uma dúzia ou
mais de elementos são mesmo muito raras no nosso país. Tudo depende dos meios
de subsistência, das condições territoriais e da fraca presença humana.
A comunicação destes animais é das etologias mais apaixonantes dentro do
reino animal. Usam como formas de relacionamento um complexo número de sinais
visuais, que vão desde a atitude inter-individual, ao comportamento submisso
com o par alfa, a posturas de instinto e de estimulo aos movimentos colectivos
dentro do grupo. Os sinais olfactivos definem por natureza a hierarquização e a
estrutura social da alcateia, também ajudam a
marcar igualmente as fronteiras definas pelo grupo; é o caso dos
excrementos e da urina. Juntam-se aos sinais anteriores, os auditivos, que
variam consoante as situações; o uivo, que pode ter objectivos mais
abrangentes, é ainda impreciso o seu fim exacto (reunir a alcateia, comunicar
com elementos mais afastados, chamamento entre progenitores e crias, estratégia
de caça, podem estar entre as suas finalidades), mas é na realidade de todas as
formas de comunicação aquela que mais conhecida se tornou.
A longevidade de um lobo, e neste caso, do lobo-ibérico, não irá muito além
dos 12 anos em liberdade. No cativeiro, em parques zoológicos e centros de
reprodução, a esperança de vida aumenta e pode permitir uma longevidade até aos
15 anos; já houve casos excepcionais de um ou outro exemplar ter atingido uma prodigiosa
idade de 17 anos.
Perante, estes dados todos, é muito difícil entender como é possível
continuar a fazer do veneno, nos dias de hoje, um meio para eliminar esta
espécie magnifica. Apesar da morte ser rápida é um processo de profunda agonia.
Sendo actualmente, o maior flagelo na mortalidade da espécie, e uma das maiores
causas de morte na vida selvagem do nosso país. Nos últimos dez anos, mais de
150 exemplares de espécies protegidas foram mortos por este método. E nos
últimos 20 anos, este número ascende a perto de 250 vítimas mortais desta
barbaridade.
A criação do Sistema de Monitorização de Lobos Mortos (SMLM) pelo ICNF em
1999, que permite registar e estudar (que inclui a própria recolha do animal e
apoio às necropsias) as causas de morte, veio ajudar a classificar/identificar
o impacto negativo que o homem continua a ter nesta espécie; por que meios,
onde a maior ocorrência, como pode afectar um núcleo populacional ou a
fragmentação da própria alcateia. Desde meados dos anos 90 até 2002, foram
perto de 80. Há pouco mais de ano e meio, em 2014, foram mortos 5 Lobos no Alto
Minho. Isto diz bem, os riscos permanentes que atinge esta espécie endémica
portuguesa.
Todavia, precisamos de pensar, que nem tudo é mau. Há um envolvimento
importante por parte de entidades que ainda acreditam no seu trabalho. E a sua
intervenção, à falta de uma maior responsabilidade do estado, continua a ser
fundamental no projecto da conservação e preservação do Lobo-Ibérico. Quero
destacar aqui: “Associação de Conservação do Habitat do Lobo-Ibérico”; A
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD); “ONGA, Organização
Não-Governamental do Ambiente”; o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas
(ICNF); principalmente, o “Grupo Lobo”, através da Faculdade de Ciências da
Universidade de Lisboa e do Centro de Recuperação do Lobo Ibérico (CRLI); A
Liga para a Protecção da Natureza (LPN); a WWF Portugal e o próprio “Plano de
Acção para a Conservação do Lobo Ibérico”;
a “FAPAS, Fundo para a protecção dos Animais Selvagens”; a “Rede Natura
2000”, incluindo as redes socias: isto sabendo que estou a esquecer-me de
outras igualmente importantes… mas todos têm contribuído para alterar o destino
da extinção a médio-prazo desta espécie. Falta a agora, com base em todos os
estudos feitos entre 1999 e 2003, mais os trabalhos de campo contínuos e todas
estas entidades… Iniciar o tão necessário Censo e um Projecto com vista à
constituição do Livro de Estudo Nacional sobre Lobo-Ibérico.
Na minha modesta opinião, só levando a cabo considerações como:
A criação de corredores naturais são cruciais para que se possa estimular o
instinto destes animais em percorrer áreas mais seguras, fundamentando assim,
condições para que a diversidade genética se multiplique, alargando também os
seus territórios. Aumentará certamente, a capacidade de usarem refúgios
próprios menos urbanizados. Locais onde as práticas cinegéticas deverão ser
eliminadas fazendo com que a diversidade de presas aumente e se criem os meios
sustentáveis para que a biodiversidade se equilibre em ecossistemas duradores e
de preservação de todas as espécies. Quem sabe, até unir as populações a norte
do Douro com as do sul, evitando no futuro uma ainda maior dispersão de novos
núcleos populacionais.
A vegetação autóctone é determinante, a destruição ou a alteração invasora
de outro tipo de flora acaba por afectar a boa integração do lobo no seu meio
habitual. Criando dificuldades nos seus comportamentos, na escolha de abrigos
típicos, como nos seus métodos de caça.
A escassez das suas presas naturais tem que ser revertida, não só para
evitar maiores conflitos humanos, como estabelecer a ordem natural das pirâmides
alimentares selvagens criando os equilíbrios espontâneos demográficos de um
ecossistema funcional.
Orçamentar e cumprir eficazmente, as indeminizações aos agricultores e
proprietários lesados por prejuízos causados por acção do lobo. Não é só em
reduzir o tempo dos pagamentos, é pagar o mais rapidamente possível. Claro que,
com um controlo rigoroso das causas e danos comprovados. É uma articulação que
deve ser séria e justa.
A implementação de estudos e medidas que elevem a protecção dos terrenos e
dos animais pecuários são uma prioridade. O exemplo poderia ser um plano de
financiado com os criadores de uma das raças mais adaptadas a estas
circunstâncias, como é o caso do Cão de Gado Transmontano.
Reavaliar a infra-estruturas existentes e as planeadas para que não dividam
ainda mais a paisagem e o habitat, protegendo assim a demografia e a genética
das populações de lobos.
Sobre a mortalidade só falta acrescentar a consciencialização não só das
populações rurais mas também de todos nós na preservação da espécie. Esta é uma
responsabilidade de todo um povo, porque o lobo faz parte do nosso património
natural.
Sem que fosse necessário recorrer ao abate pela solução mais simples; o
controlo das matilhas de cães vadios ou assilvestrados (o direito à vida e à
sua qualidade é um principio básico) pode ser maximizado, seja por acção
médico-veterinária como por leis mais rijas de responsabilidade criminal sobre
o abandono dos animais.
Estudos das condições ambientais e urbanas de zonas ou parques onde a
espécie já existiu outrora, tendo como objectivo a sua reintrodução num
processo evolutivo. Alinhando este projecto com um considerando: a proximidade
de outros grupos já existentes, mesmo com alcateias fragmentadas ou mais
dispersas. A serra da Malcata e a serra da Estrela são exemplos que considero
excelentes modelos para qualquer ensaio que venha a ser considerado.
Rever leis, meios e procedimentos com o objectivo de tomar melhores medidas
para a prevenção de incêndios nas zonas classificadas e identificadas como
fundamentais para a conservação do habitat do lobo.
O combate à caça furtiva deve ser assumido e feito de forma corajosa, sem
medo do impacto dos interesses e lobbies existentes. Uma maior eficácia
jurídica na defesa das leis existentes e prevenção pelas entidades competentes
no terreno como meio dissuasor são uma responsabilidade que quem superintende
estas matérias não se pode descomprometer. Tanto na protecção do Lobo, como das
populações de corços ou mesmo nas regras das quotas cinegéticas de javalis. A
divulgação publica de todos aqueles que causem danos com consequências
propositadas ou irresponsáveis na população do Lobo-Ibérico, tal como hoje é
feita sempre que um crime acontece onde o homem é a vitima.
Um novo censo vai permitir, acima de tudo, saber o mais exactamente
possível, qual a situação de preservação do Lobo-Ibérico. Quantas alcateias
percorrem o nosso território, tanto a norte do Douro como a sul. Quais a
regiões mais afectadas desde o último censo, e as que mantiveram ou cresceram
nos seus efectivos. E esperar que os dados afectos a este recenseamento no que
diz respeito à presença e reprodução das alcateias fiquem todos registados como
“Confirmados”, e não como “Provável” ou “Não Detectada”. Mesmo que leve algum
tempo a perceber estas existências.
Seria interessante, poder ter neste estudo; espaço, tempo e dados para
fazer semelhante trabalho sobre a população de lobos em Espanha. Confirmar, por
exemplo, se em Sierra Morena, ainda coabitam os dois mamíferos mais raros da Península
Ibérica, entre os mais ameaçados do planeta: O Lobo e o Lince Ibérico. Como, igualmente, reflectir sobre a genética dos lobos a sul do Douro em Espanha; após o estudo do especialista espanhol Óscar Ramírez, que depois de proceder à investigação completa do genoma em 4 lobos provenientes de diferentes territórios da Península, conseguiu determinar que os exemplares provenientes do sul continham 30% de genes do cão, mas ao que parece, as populações a norte do Douro não tinham sido tão afectadas por este fenómeno hibrido. O crescimento dos núcleos espanhois e o desaparecimento em regiões ancestrais seriam também estudo curioso de se fazer, até pela relação que poderiam ter com as populações nacionais.
É um dever do homem, uma obrigação pedagógica, um direito comunitário, uma
responsabilidade governamental, um principio de consciência… fazer tudo o que
está ao nosso alcance, portugueses e espanhóis, para preservar a vida selvagem
e as espécies em vias de extinção!
A terminar, fica aqui uma breve história pessoal, como foi que este animal
entrou de forma marcante na minha vida…
“Um dia, à noite, perto da uma da manhã, seguíamos nós; eu, os meus irmãos,
os meus pais e mais uma tia, de carro em plena Serra do Gerês… iam todos a
dormir, excepto eu e o meu pai que ia a conduzir. Quando o meu pai me chama, ao
mesmo tempo que abranda bruscamente a velocidade do carro. Parámos! Os faróis
nocturnos iam acesos como era normal. Ergui-me, espreitei por cima do seu ombro
e na nossa frente, um animal caminhava devagar. Brilhava na noite com as luzes
do carro. Era um lobo, um Lobo-Ibérico! Sentou-se a pouco mais de três metros
de nós. Ali ficou por uns instantes, a olhar-nos. Eu e o meu pai não falámos
naqueles momentos, estávamos encantados. Depois, minutos a seguir, levantou-se,
acabou de atravessar a estrada e desapareceu entre as árvores da floresta do
Gerês… Eu tinha nessa altura entre os onze e os doze anos, ou seja, há quase 45
anos atrás…”
Depois deste episódio, poucas foram as vezes que idêntico privilégio. Nos
anos 70, no jardim zoológico. Uma ou outra vez, num encontro muito fugidio,
ainda nos anos 90, também no jardim zoológico, com uma fêmea dentro uma cercadura
na zona mais elevada do Zoo. E mais recentemente, em 2013, num encontro que me
deixou triste e angustiado, no Zoo de Barcelona, com um exemplar solitário de
olhar vazio e abandonado.
Mas há muito que ele, o Lobo-Ibérico, já havia entrado na minha galeria de
enorme paixão pelos animais.
Sem comentários:
Enviar um comentário